Existem hoje diversas línguas construídas como o Esperanto, o Na'vi, falada na produção cinematográfica "O Avatar" e o Valyrian, falada na série "Game of Thrones".  A língua que apresento aqui é o alamês ou allamej, um idioma híbrido, resultante da mistura de várias línguas do mundo. É uma simbolização da união cultural através da língua. 

 

Rodrigo Solano

rssolano@thinkglobal.com.br

 

O alamês começou a ser construído quando eu tinha 17 anos de idade. Meu fascínio por línguas, culturas e religiões e contato com elas me inspiraram e comecei a traçar as primeiras regras do que se transformaria numa das línguas construídas mais híbridas se comparada às mais conhecidas na primeira década do ano 2000. Todavia, uma mera desconhecida, como é o caso da maior parte das línguas construídas ou conlangs.

 

Desde um esboço de linguagem humana, o alamês seguiu como uma brincadeira de misturar e compatibilizar palavras e conceitos o que foi ampliando seu vocabulário e dando forma a sua estrutura peculiar de difícil classificação, já que se aproxima de modelos ocidentais e orientais ao mesmo tempo, absorvendo também elementos africanos e indígenas.  

 

Para chamar o alamês de língua é preciso uma certa generalização, uma vez que a língua para existir precisa ser falada. As línguas naturais, por exemplo, têm um processo de transmissão sígnica de pais para filhos, adotivos ou não, e incluem toda uma comunidade. E é através deste processo que nosso pensamento se constitui, nossa cultura se aprende e compreendemos o que é certo e errado – na língua. 

 

A palavra allamej é composta por três radicais : Al que provém das línguas germânicas alles do alemão ou all do inglês e significa todo ou tudo. Lam, um radical semita, do árabe عالم [ʔalam] e do hebraico עולם [ʔolam], cujo o significado é mundo. Por último, o radical ej cuja origem é turca. Em turco o nome das línguas geralmente terminam em ce [dʒe] (entre outras formas que pedem harmonia com a palavra). Juntas, estas três partículas nos traduzem o significado da palavra: Língua do mundo todo.

 

Mas a língua não tem este nome porque pretende ser falada pelo mundo todo. Não é, portanto, uma língua que se pretende auxiliar global como o volapük ou esperanto. Seu nome é um reforço à hibridez, ao respeito em relação à diversidade cultural, ao desejo de misturar e incluir. O alamês pode ser classificado como global porque não está vinculado a um determinado grupo étnico, mas a culturas e línguas espalhadas por todos os continentes. Ele é estruturalmente global.  

 

Sua formação léxica conta com radicais originados a partir de palavras de diversos idiomas de várias línguas e sub-famílias linguísticas como: chinês, germânico, grego, iorubá, japonês, línguas bantas, línguas celtas, línguas eslavas, línguas índicas, línguas latinas, línguas semitas, línguas turcas, persa, quíchua, tailandês e tupi-guarani entre outras.

 

A língua é formada a partir de uma lógica de que cada sílaba possui um significado, e num processo semelhante ao da língua chinesa,, a união destas sílabas forma outras palavras. Por exemplo, sam, do semita, significa “céu” e xuy, do chinês, traduz-se por “água”. Juntas formam samxuy, chuva.

 

Além disto, possui um sistema parecido, mas não exato, ao de sufixação, ou posposições que vão mudando o significado original da palavra.

 

Desta maneira, um radical como ir, inspirado no latim cujo significado é “movimento” pode formar diversas outras palavras como: iri “ir”, irem “vou”, irëk “carro” ou “trasporte” (aquilo com o que se vai), irëv “destino”, írik “indo”, irën “rua” ou “caminho”, íretiv “para que você vá”. Neste aspecto, pode parecer com línguas turcas, húngaro ou, mais distantemente, o coreano ou o japonês. Com este processo é possível criar inúmeras palavras e até mesmo compreender palavras jamais ouvidas ou lidas desde que se conheçam as partes que a compõem.

 

A língua também não usa preposições, valendo-se de terminações de caso para determinar a função das palavras. Em inglês ou em português, por exemplo, dizemos at home, ou “em casa”. Em alamês a função da preposição é feita através de um sufixo. Bayt , do semita, significa “casa”. Baytun significa “em casa”. 

 

Este processo de misturar raízes de várias raízes linguísticas e compatibilizá-las numa estrutura regular constitui a essência do alamês. Desta maneira, como a maioria das línguas construídas, pode ser considerada como uma arte, à mesma que se refere David Peterson, em seu livro The art of inventing languages “A arte de inventar línguas”. É, antes de mais nada, um convite a refletir sobre o pensamento global, já que a língua é o que o que estrutura o nosso pensamento. 

 

Se nossas diferenças linguísticas e, consequentemente, culturais provocam a segregação da humanidade, o papel do alamês é instigar um questionamento: “como podemos harmonizar diversidade cultural?”. E isto tem relação com a filosofia ...    

 

“A filosofia é uma batalha contra o enfeitiçamento de nossa inteligência por meio da linguagem.” Ludwig Wittggenstein – Um dos maiores filósofos da língua. (LAW, 2007, p. 15)

  

* O Allamej é membro da Sociedade de Construção de Línguas (Language  Creation Society).